Ao falarmos de Hipnose Ericksoniana, é comum pensarmos em uma abordagem que envolve longas contações de histórias, metáforas e o uso de padrões linguísticos de sugestão indireta. Apesar de metáforas e sugestões indiretas serem o senso comum, na prática, existem aspectos ericksonianos muito mais importantes e centrais. São eles que balizam todo o processo de hipnose e terapia, tornando-o algo sob medida e diferente para cada pessoa.
Desses elementos, os principais são a “Utilização” e o “Naturalismo”. A “Utilização” é uma filosofia, um processo que se desdobra em muitos níveis e envolve a ideia de pegar aquilo que a pessoa traz e utilizar a favor dela, como se fosse esse o próprio motor do sucesso da hipnose. Assim, com a utilização, todas as resistências, dificuldades, valores e afins são aproveitados em prol da própria terapia.
Enquanto na hipnose clássica um cliente que não consegue relaxar é visto como resistente, na Ericksoniana dir-se-ia que, quanto mais tenso ele ficasse, mais profundamente entraria em transe. Se um cliente começa a ter espasmos na mão durante uma indução, em vez de ser visto como não cooperativo, ser-lhe-ia dito que, à medida que sente o tremor inconsciente da mão, isso o ajuda a entrar em transe profundo e encontrar soluções para os seus problemas.
Da mesma forma, temos o termo “Naturalismo”, que envolve a ideia de utilizar os comportamentos e padrões já inseridos no sistema do indivíduo. O Naturalismo trata do processo de não querer ensinar nada nem inserir algo novo no sistema do cliente, mas sim de usar o que já existe nele para que o próprio potencial interno seja evocado e mobilizado, fazendo a mudança vir de dentro para fora, ao invés de fora para dentro.
Na prática, um livro de Hipnose Ericksoniana que não fale sobre “utilização” e “naturalismo” provavelmente contém pouco ou quase nada da essência ericksoniana. O que geralmente vemos por aí são pessoas reduzindo a abordagem ao uso de metáforas decoradas e de padrões linguísticos de sugestão indireta, sendo que isso tem pouco, ou nada, de Ericksoniano de fato.
Primeiramente, uma metáfora ericksoniana não pode ser decorada, nem deve ser retirada de livros; assim como aquelas histórias focadas em ensinar lições de moral também não são metáforas ericksonianas genuínas. Ao contrário disso, grande parte das metáforas de Erickson eram feitas sob medida, de acordo com a individualidade de cada cliente, geralmente abordando experiências pessoais dele para mobilizar seus potenciais internos de dentro para fora.
Com essas metáforas, torna-se possível disparar estados e potenciais que, por meio de sugestões diretas, dificilmente conseguiríamos. Em vez de eu dizer ao meu cliente “sinta-se seguro” — algo que ele não consegue fazer apenas por uma decisão consciente —, podemos conversar com ele sobre situações em que ele já sente segurança.
Da mesma forma, não adianta dizer para o cliente se sentir confiante, pois a confiança não acontece a nível de decisão. Porém, na Hipnose Ericksoniana, direcionamos a atenção da pessoa para experiências em que ela já tem confiança e, consequentemente, o estado de confiança será disparado.
Perceba que o foco aqui, ao contar uma história, não é dar uma lição de moral, mas sim mobilizar potenciais internos do cliente. Essa “conversa ericksoniana” não pode ser uma história decorada; não adianta eu falar sobre uma experiência minha com confiança, pois pode ser que o cliente não tenha essa vivência ou que, para ele, ela seja diferente.
É justamente por esse motivo naturalista e utilizacional que focamos nas individualidades dos nossos clientes, olhando principalmente para seus recursos e pontos positivos. O objetivo é evocar esses potenciais (que muitas vezes a pessoa nem nota que possui) para encontrar soluções que venham de dentro do próprio cliente, falando de experiências altamente pessoais, como seus hobbies, trabalho e afins.
Além disso, muitas pessoas pensam que a sugestão indireta serve para “metralhar” o subconsciente do cliente com sugestões para que ele aceite essas ideias, tornando o processo algo “de fora para dentro”, onde o hipnólogo sugere a ideia e ela entra no inconsciente da pessoa.
Essa visão é, na verdade, muito clássica (principalmente associada a Dave Elman), onde tanto o consciente quanto o inconsciente são vistos como limitados. Na hipnose clássica elmaniana, a consciência é vista como um obstáculo — devendo sair da jogada com o rebaixamento da faculdade crítica —, enquanto o inconsciente também é tratado como passivo, pois devemos dizer a ele o que deve ser feito.
Já na Hipnose Ericksoniana, de onde vem a ideia de sugestões indiretas, a visão é oposta. A sugestão indireta não tem como objetivo inserir uma ideia na mente do outro, mas sim ser vaga o suficiente para direcionar a atenção aos próprios potenciais do cliente, permitindo criar o ambiente adequado para que a mudança aconteça.
Então, em vez de dizer “Relaxe”, falamos sobre situações de relaxamento para que a atenção se volte para isso (foco associativo indireto), dizendo algo como: “E todos nós temos situações em que relaxamos muito. Você pode se lembrar de um desses momentos relaxantes da sua vida.”
Ao estudar a fundo a Hipnose Ericksoniana, descobrimos que a técnica é o menos importante. O foco deve estar na atitude e nos conceitos centrais que a definem: Utilização, Naturalismo, Evocação e afins. Isso faz da hipnose um processo de trazer à tona, de dentro para fora, as experiências, aprendizados e potenciais prévios que o cliente já possui a favor da solução de seus próprios problemas.
